“Coriolano” encerra ciclo de Shakespeare no Dona Maria

por: Hardmusica
“Coriolano” encerra ciclo de Shakespeare no Dona Maria
Victor Hugo Pontes

A obra de índole política de Shakespeare "Coriolano", encenada por Nuno Cardoso sobe ao palco do Teatro Nacional Dona Maria II e com ela toda a tragédia que acarreta.

No fecho de uma trilogia do qual fizeram parte as peças "Ricardo II" em 2007 e " Medida por Medida" de 2012, Nuno Cardoso consegue ao final de 13 anos encenar no TNDM II uma das obras finais de Shakespeare, de cariz político, de difícil interpretação e aspereza de texto.

A peça que foi escrita em 1607-8 quando o autor se divertia a experimentar as zonas de fronteira dos géneros dramáticos é, mais uma vez inspirada na Roma antiga para a aplicar à sua Inglaterra e agora através desta co-produção do TNDM II, Teatro Nacional de São João, da Ao Cabo Teatro, Teatro do Bolhão e Centro Cultural Vila Flôr é aplicada com as devidas descodificações à nossa realidade.

Durante as três horas, em que decorrem os cinco actos é encenada, de forma intocável no sentido da tradução feita por Fernando Villas-Boas, a história do general Coriolano, a sua ascensão e queda política numa Roma em crise profunda, na qual se estabelece uma fractura na sociedade que estava estruturada em ordens, surgindo assim a luta política e a questão da sobrevivência do regime.


Fazendo a transposição para a nossa realidade e como Nuno Cardoso afirmou "isto tem muito a ver com o presente quando utilizamos os recursos de hoje. Relembremos a crise política de Julho passado, que não foi mais que uma luta de poder que poderia ter saído cara ao país".


O facto desta peça também abordar as questões de poder, da escolha do melhor governante temas que são recorrentes no trabalho do encenador, a verdade que preocupa Nuno Cardoso é que "como cidadãos andamos alheios da vida política, temos uma ausência de inquietação e de esforço da nossa parte nas escolhas que fazemos, não temos paciência para olhar para um programa político quando exercemos o direito do voto".


Foi neste quadro de angústia, de grande gestão e muita resistência da equipa de produção que foi sendo criada esta trilogia que culmina em "Coriolano".


Voltando à peça e no que foi possível visionar temos várias personagens donde se destaca Caio Márcio Coriolano, que é interpretado por Albano Jerónimo representando o catalisador na história, numa Roma onde a fome é grande e o povo está revoltado sendo o protagonista antipático, porque é duro e implacável mas que a genialidade de Shakespeare torna simpático aos nossos olhos.


Ao longo da obra em cujo cenário é realizado sobre uma escadaria, inspirada nas escadas da nossa Assembleia da República, símbolo do poder político mostra-se que Coriolano é sucessivamente o bravo guerreiro e o político relutante, o banido traidor à Pátria e o regressado herói piedoso, que morre às mãos dos conspiradores, uma morte chocante, isenta de retórica e sentimentalismo.


Da peça sobressaem várias outras personagens encarnadas por um lote de actores generosos e cheios de qualidade que se desdobram em palco como Pedro Frias que carrega o Menémio com uma graça espantosa, João Melo e Rodrigo Santos trazem carnes aos tribunos, Luís Araújo a sua lealdade a Tito Lárcio, Ana Bustorff e Catarina Lacerda criam a mulher na Volúmmia e na Virgília, Daniel Pinto a intensidade que é só sua a Tulo Aufídio, Afonso Santos, Mário Santos e Ricardo Trindade dão corpo a múltiplas personagens, António Júlio empresta a sua gravitas ao Comínio e Sérgio Cunha na pele de cidadão e Senador Romano.


Com este espectáculo, em cena na Sala Garrett até ao dia 02 de Fevereiro a Ao Cabo Teatro reincide numa escala de produção que contraria a "míngua que nos aflige", arriscando erguer-se alguns palmos acima daquilo que vêmos e nas questões que nos assaltam no dia-a-dia, procurando levar-nos à reflexão enquanto o assistimos.

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